29.12.07

“Tem que sair primeiro que New York Times”


Vocês acham que podem entrar em minha casa, fazer perguntas e destruir a reputação das pessoas?


A invasão da sede do Partido Democrata por cinco homens dá origem a um sistema de investigação comandado por dois jornalistas do Washington Post. O escândalo do Watergate, como o caso ficou conhecido, colocou em xeque a prática jornalística e o governo do presidente Richard Nixon. A história de 1972 virou filme em 76, baseado no livro homônimo escrito pelos próprios jornalistas, Bob Woodward e Carl Bernstein. Todos os homens do presidente, dirigido por Alan J. Pakula, ganhou quatro Oscar e ainda é uma das mais atuais aulas de jornalismo.


Com poucas informações sobre a invasão, o jornal resolve ir a fundo e logo descobre que o assunto não é mais um caso de polícia e sim de política. Os repórteres começam a alimentar uma compulsão pela pauta por acreditarem que existe muito a se descobrir. O trabalho é levado adiante como se os dois fossem detetives e não jornalistas. É a ausência de fatos e por acreditar na existência deles que a busca por informações começa a ultrapassar os limites éticos.


Mais que informações, Bob e Carl se depararam com a censura, com contradições, com os jogos dos bastidores do poder e, principalmente, com muitas dúvidas. A partir de insinuações, de acusações vazias, fontes anônimas e grandes manchetes, o jornal consegue mais detalhes que o próprio FBI sobre o caso. A investigação americana puniu os envolvidos depois que o caso, de desinteresse da maioria da população – segundo pesquisa da época, foi publicado pelo jornal várias vezes, se desenrolando a cada matéria com um novo fato.


O trabalho dos jornalistas desafiou a liberdade de imprensa, a constituição americana e o futuro do país. As entrevistas se extrapolam, os repórteres interrogam como quem colhe um depoimento policial e ainda conduzem as respostas a partir de suas suspeitas, adiantando que não revelam a fonte, “só quero que você confirme esse nome”. A sede pela informação foi alimentada pela relação mercadológica que existem nas redações (de qualquer jornal, inclusive). A pressa para publicar antes que o concorrente e o desejo para se destacar entre os colegas repórteres são dois bons e perigosos exemplos da selvageria.


O caso é uma excelente demonstração da rotina jornalística. A vaidade nas redações, o difícil reconhecimento da autonomia dos fatos, as reuniões de pauta e de fechamento do jornal, o tempo vago somente para a descontração e a complicada convivência com a humildade. O filme representa muito bem o jornalismo da época. Época em que canecas de café, cigarros e a busca por informações que não eram explícitas, nem ao menos imagináveis, dividiam o mesmo lugar.


Todos os homens do presidente nos apresenta um jornalismo que dificilmente encontraremos nos dias de hoje. As pragmáticas expostas no filme estão se perdendo devido às facilidades da tecnologia, ao relacionamento com as fontes e, mais arriscado ainda, devido à briga pelo espaço e tempo disponíveis que o jornalista dispõe para aparecer e fazer seu nome. A real função do jornalista e a ética profissional foram por água abaixo. Hoje, insinuações são fatos para uma boa manchete e não mais para uma profunda investigação.

Um comentário:

Rafael Carvalho disse...

Ei Chu, essa é minha primeira escorada no Balcão, muito legal a idéia do blog. Todos os Homens do Presidente é um clássico do cinema e uma verdadeira aula do bom jornalismo. Se por um lado o filme é atual no que diz rspeito aos jogos de intriga e poder que podemos antever dentro do campo sujo da política, é triste perceber que o nosso jornalismo não possui o mesmo vigor, o mesmo interesse pela informação certa retirada de suas fontes de forma limpa e justa e a mesma coragem de desmascarar aqueles que escondem a verdade do povo. Grande filme a favor de uma grande causa. Abraço e feliz 2008.