27.4.08

Tempos que não voltam mais


Houve um tempo em que micareta em Vitória da Conquista era, de fato, micareta. A cidade baiana que não tem mar, não tem rio, muito menos sol e calor o ano todo, pode não parecer propícia à folia de rua, mas conseguiu fazer por alguns anos uma das maiores micaretas do Brasil. O frio típico de abril/maio sempre foi característica marcante.

Em uma de suas primeiras edições, a Miconquista foi transmitida ao vivo pelo Domingão do Faustão enquanto Gilberto Gil comandava de cima do trio os foliões reunidos na famosa Pracinha do Gil, que foi por muito tempo o ponto alto da festa, era o charme de um extenso circuito por onde desfilavam os diversos blocos locais. Com a oficialização da festa em 89, a cidade do interior da Bahia passou a receber visitantes de todas as regiões. Norte de Minas, Sul e Oeste da Bahia e moradores das cidades circuvizinhas começaram a participar da festa, aguardando com espectativa as próximas edições.

Daniela Mercury recebeu apoio dos organizadores da Miconquista quando ainda iniciava sua carreira. A história do Chiclete com Banana se confunde com a da micareta. Ivete Sangalo e a Banda Eva participaram todos os anos enquanto a cantora ainda estava a frente da banda. Luiz Caldas, É o Tchan, Netinho, Margareth Menezes, Armandinho... a extensa lista do axé music passou por Conquista. As carreiras desses grandes nomes evoluiram junto com a micareta de Conquista. A festa, aos modos do carnaval soletropolitano, com trios, cordas e abadás, sempre teve seu caráter público, afinal sempre foi festa de rua. Os blocos da cidade enchiam as ruas com um colorido saltitante. Esecutivos, ToaToa e Massicas sempre disputavam com grandes atrações em número de associados.

Aos poucos a festa foi esmurecendo. O Esecutivos deixou de sair na rua, só realizando o famoso festival da carne de sol, o FestSol - já extinto. O ToaToa também parou de descer a avenida, tentou voltar, e no outro ano desistiu. Continuou com a festa fechada, BeerFest, que já não é realizada. O Massicas resistiu por mais tempo, mas hoje só a festa privada. O Massicas Indoor substituiu o bloco na rua.

O que aconteceu? Paralela a essa "crise" dos blocos, a prefeitura da cidade reduzia, a cada ano, o circuito da festa. Numa das últimas edições da micareta na rua, a Pracinha do Gil era só mais uma Pracinha da cidade. A data da micareta acabou ficando próxima da festa de Feira de Santana, talvez para facilitar para os produtores o contrato com os grandes e concorridos nomes do axé, porém, as datas próximas ou iguais retiraram de Conquista o destino de muitos foliões que passaram a curtir a micareta de Feira, ainda hoje uma das maiores do Brasil. Para aumentar a crise, o boom de micaretas... Praticamente todas as cidades, principalmente as de médio porte, em Minas, hoje já têm o seu carnaval fora de época, com o mesmo estilo e as mesmas atrações.

Somado a isso, tem a famosa crise do axé. Por mais que neguem, e provem com o aparecimento de novas Ivetes, novas Claudinhas... e que ainda em "crise", as bandas conseguem manter a agenda lotada. A crise a que me refiro não é a mesma que tanto incomoda os axezeiros, a que prega o fim do axé, e sim a que identifica a queda da audiência, do gosto popular. O bloco Massicas, por exemplo, quando realizava festas fechadas na cidade, há pouco tempo atrás, lotava as ruas e mobilizava a população. Camisa para um dia chegava a ser vendida por R$150, R$180. Hoje, quem foi ao Indoor 2008, viu que já não é mais assim. O público, pouco mais de três mil pessoas, deixou espaço sobrando dentro do Parque de Exposições, teve até quem encontrou camisa por R$20,00 com os cambistas.

É essa a crise do axé. Todo bom empreendedor sabe que para manter a clientela é preciso inovar dentro do que faz, é preciso ser criativo, ter carisma não basta. Como as bandas se acostumaram com os acordes dos sucessos de sempre e repetem para "criar" novos sucessos, ou seja, se acostumaram a fazer a mesma coisa (tanto que discos gravados ao vivo são febre, agravada com a ascensão do dvd), é lógico que o público, conhecido pelos vendedores como exigente, vai passar a consumir um outro produto, deixando o axé de lado, afinal não há saco que aguente.

Os conquistenses presenciaram a glória e a decadência de uma das poucas festas populares que existia na cidade. A micareta não só deixou de existir porque os blocos deixaram de ir para as ruas, mas também deixou de ir para a rua. O que antes copiava o carnaval de Salvador, com cordas e abadás, agora copia as festas privadas. Agora, a prefeitura paga com dinheiro público atrações de porte, como Daniela Mercury, para se apresentar em um ambiente fechado e com acesso gratuito. O dito novo formato acabou com a micareta, pois não é micareta, é indoor!

Seguindo essa linha, o axé que se cuide, pelo menos aqui em Vitória da Conquista...

* A expressão indoor é utilizada para se referir a portas fechadas, no caso, a festas de caráter privado.

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