27.4.10

A maneira Veja de fazer um presidente


A capa da penúltima edição de Veja (nº 2161, de 21/4/2010) trazia no enunciado: "Serra e o Brasil pós-Lula". Logo abaixo, como subtítulo-referente, lemos a frase do ex-governador José Serra: "Me preparei a vida toda para ser presidente".

O que estas palavras formam? Muita coisa. Exemplo? "Serra, presidente do Brasil pós-Lula". E também: "Presidente do Brasil, Serra se preparou (por) toda a vida". Esquartejemos as construções frasais e teremos: Serra, Brasil, Presidente, Pós, Lula, Vida. Tudo é positivo e, como tal, luminoso. Nada remete à penumbra, à opacidade. É o futuro claro e promissor que a revista apresenta ao Brasil através do olhar de seus milhares de leitores. Mas, ainda assim, o que seria esta capa se contivesse apenas essas 13 palavras? Seria pouco, pois não desvelaria um rosto humano.

É quando entra a imagem. E neste caso a imagem no espelho cativa mais, prende a atenção mais, muito mais que a própria imagem real. Temos o rosto sorridente, manso, terno, de José Serra. Nada de olhos de aço, olheiras, rugas. Ao contrário, a revista optou por uma pose, digamos providencial, em que sua mão direita sustenta o rosto. O detalhe da mão despretensiosa contrastou tanto, ficou tão destoante da imagem que guardamos do político paulista em nossa memória. Ocorre que a foto da capa traz muita similitude com aquelas fotos para segunda orelha de livro de auto-ajuda. Qual seria o título do livro para essa cara?


De qualquer forma, com dois ou três dias da circulação da revista já se encontrava na internet um site reunindo fotos de anônimos imitando a pose de José Serra. O site de Veja estampou: "A capa desta semana, com José Serra, transformou-se rapidamente em um `viral´ – nome que se usa na internet para a divulgação espontânea de um tema ou produto. A fisionomia sorridente e descontraída do tucano levou muita gente a imitar sua pose no site."

Se foi um viral meticulosamente planejado, não sabemos, mas captamos a mensagem no sentido de que esforço deveria ser despendido para repercutir mais a capa e, então, por que não aproximar rostos anônimos do rosto do candidato a presidente da República? Foi um estalo. Apesar do deslumbramento de sua equipe editorial com o "achado", há que se informar que esta capa em especial não ganharia prêmio no quesito originalidade: a capa imita a revista Time (19/5/2008) tanto na foto quanto na mensagem francamente simpática. A Time titula sua matéria de capa com Barack Obama com as palavras "E o ganhador é..." A foto do presidente americano arremata a frase. Veja envereda na mesma trilha de sua congênere americana: "Serra e o Brasil pós-Lula".

Também não tardaram a espocar teorias conspiratórias na internet dando conta que essa mão no rosto não é a do Serra, que a mão do ex-governador é muito diferente da mão mostrada na capa. Outros saíram em busca de solução para o enigma estilo "alguém sabe de quem é esta mão que está segurando o rosto dele?" E, óbvio, os delírios habituais: "O rosto é de outra pessoa, dona da mãozinha, e fizeram uma fotomontagem".

Quanto ao conteúdo, a editorialização não deixa ponto sem nó. A principal matéria é um primor de satisfação garantida e comprovada: "Com a casa em ordem, Serra vai à luta". Boa seleção de fotos do candidato com direito a dois boxes inusitados. Um para "O decálogo do bom governante", bola levantada para que o candidato Serra elenque "os dez mandamentos que, segundo ele, devem nortear a atuação de um bom presidente da República". E intuo que na falta de melhores opções para utilizar o valioso espaço da revista semanal de maior circulação no Brasil, os leitores encaram box com Oscar Quiroga, o astrólogo preferido de Serra, onde este afirma o que está escrito em suas estrelas: "O tucano será o próximo presidente".

Trecho da análise de Washington Araújo (A interpretação dos sinais)

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