6.6.10

“Acelera! Tá chegando a hora! Vamos perder a festa!”

Aproveitando que o cantor Gilberto Gil fará seu novo show durante a programação de São João de Jequié no dia 26, publico abaixo entrevista concedida pelo cantor à Época.

O arraiá de Gilberto Gil


Compositor lança disco dedicado aos festejos juninos. Em entrevista a ÉPOCA, conta como o cantor Seu Jorge lhe trouxe inspiração e fala de sua relação com a velhice e com a política.

ÉPOCA – Quando as canções do disco foram compostas?
Gilberto Gil – Agora, entre fevereiro e março.

ÉPOCA – Há menos de quatro meses?
Gil – Sim.

ÉPOCA – De onde veio essa inspiração repentina?
Gil – Há um ano eu já queria fazer um disco sobre o São João, uma leitura atualizada as música junina. Esse era o conceito, falava disso sempre, e a Flora (Gil, mulher de Gilberto Gil) sempre me perguntava se eu faria mesmo, porque eu falava, mas nunca sentava para compor. Cheguei a falar com Dominguinhos, com o Arnaldo Antunes... “Vamos fazer uma música?”. Mas nada acontecia, porque eu não os acionava de verdade. Falei também com o Paulo Coelho, e estava pensando em falar com o Chico (Buarque), mas nem cheguei a fazê-lo. Isso foi no fim do ano passado, em outubro. Já era fevereiro, a Flora tinha que definir o repertório, e eu não tinha material algum. Foi aí que eu me sentei com o Seu Jorge, em Salvador.

ÉPOCA – Para fazer música?
Gil – Para comer um peixe (risos). Ele se hospedou na casa ao lado da minha, em Salvador, e me convidou para jantar. Aí, me mostrou uma guitarra que tinha trazido de Recife, com duas cordas com afinações diferentes da tradicional. Começamos a levar um som, com amigos nossos, e acabou virando uma jam – mais de duas horas tocando. E eu lá, tentando me adaptar àquela afinação estranha. Foi com essa adaptação que os estímulos para novas músicas foram chegando. Fiz sete músicas em quinze dias.

ÉPOCA – O quanto disso é técnica e o quanto é puro talento?
Gil – São os dois. Desenvolvi uma nova técnica quando tive que tocar a guitarra, e isso me estimulou.

ÉPOCA – Qual sua relação com as músicas que compõe?
Gil – Tenho um encantamento com elas, como um bichinho novo na sua frente. Parece um duendezinho, um bichinho de pelúcia. Acaba se somando à família de quinhentos e tantos outros filhos que tenho (risos).

ÉPOCA – A música Fé na Festa, que deu nome ao disco, foi uma dessas sete primeiras?
Gil – Sim. O projeto ia se chamar Norte da Saudade. Como eu nunca fazia as músicas novas, e a Flora começava a me cobrar, eu dizia que o disco ia se chamar Norte da Saudade, uma música antiga minha com essa temática, que acabou entrando no disco, regravada. A idéia da letra de Fé na Festa veio da turnê que fizemos no sertão de Pernambuco, há um ano. Foi quando eu e a banda recuperamos a idéia de fazer um disco sobre música junina, dez anos depois de Eu, Tu, Eles. Vi um menino e uma menina em uma moto, e a moça, na garupa, gritava para o rapaz: “Acelera! Tá chegando a hora! Vamos perder a festa!”. Ele dizia: “Calma, não podemos correr muito que ela não aguenta, vai dar tempo”. É essa a história que eu conto na música. A moto é a nova jumenta, usada para percorrer as cidades. O Fé na Festa é uma atualização das paisagens do São João.

ÉPOCA – É uma atualização, mas ao mesmo tempo se baseia nas memórias mais remotas de sua infância.
Gil – O que me interessa é o frescor, o que estiver mais tenro, mais perto da semente. Esse disco é comigo mesmo. E tem a ver com a velhice também. Tem a ver com a leitura que eu venho obrigado a fazer do meu próprio envelhecimento. Vivo a construção do que os religiosos chamam de “o velho infante”. Voltar, simplificar de novo. O desafio é conseguir essa redução da psique, com toda a complexidade intelectual e espiritual de hoje, a uma expressão simples. Ser criança é mais fácil. Hoje, sou a criança educada, que já passou tudo, que sabe que a impetuosidade não dá conta de tudo. “Calma, lambreta jumenta”.

ÉPOCA – As limitações do corpo te incomodam?
Gil – O corpo muda. O desempenho físico, a dimensão molecular, celular, a digestão, a força, o elam... Tudo se acomoda a novos dimensionamentos. Mas não me angustia. No meu caso, até agora, não. Na verdade, é bem vinda. Veja só o (Oscar) Niemeyer. Quebra a perna, vai para o hospital... Mas volta pra casa. Fica ali, com a namoradinha dele... Não teria angústia nenhuma com esse tipo de vida (risos). O homem velho é o rei dos animais, como disse Caetano.

ÉPOCA – O disco novo foi feito em parceria com a empresa de cosméticos Natura. Como se deu essa relação do artista com a empresa?
Gil – A Natura é uma parceira antiga, há alguns anos, no camarote do carnaval da Bahia. Recentemente eles desenvolveram um projeto musical, com Lenine, Marisa Monte, Arnaldo Antunes... A, b, c... chegou a hora do Gil também (risos). A empresa facilita para nós o problema da comercialização, e a parceria acaba baixando o preço do disco.

ÉPOCA – Não vai ligar se baixarem seu disco de graça na internet?
Gil – Não. Sou apologético do mundo digital. Tem mais é que divulgar, até porque eu já fui pago pela Natura para fazê-lo. Eu não tenho mais custos, está pago. O que o fã pode me dar é um bônus por valor artístico, me pagar pelo artista que sou, e não pelo produto. Ainda não é uma solução para a maioria, só para alguns que já tem tamanho no mundo da música. Mas pode ser replicado e aprimorado.

ÉPOCA – Existe alguma ingerência da empresa no conteúdo artístico?
Gil – Não. A mentalidade da empresa é um conceito diferente, de responsabilidade social. O artista é um valor agregado. À Natura, não interessa divulgar a marca, mas sim agregar um valor artístico constituído. Nem todos os artistas têm condições de criar esse campo de critérios e manejá-los com essa visão de gestão. Mas muitos, como eu, são laboratórios. Temos que fazer para os que estão chegando aí. É preciso reconstruir a indústria fonográfica. No futuro, vejo mais microprojetos, parcerias reais entre corporações e artistas, contemplando interesses mútuos. E não mais apenas os interesses da gravadora, com artistas como peças na linha de montagem.

ÉPOCA – É ano de eleição, e você apóia abertamente uma das candidatas. Pensa em voltar a fazer política?
Gil – Não... (pensa um pouco). O que não significa que eu não venha a pensar no futuro. Até porque eu já me meti no passado, eu já servi o exército, e estou na reserva, com carteirinha de reservista (risos). Eu até disse à Marina (Silva, pré-candidata a presidente pelo PV): “Vou com você, mas me poupe”. A candidatura dela chegou a pensar em me colocar como vice na chapa, mas eu disse que não.

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