12.8.11

O filme do filho

“A gente só existe pela memória do outro”, diz Eryk Rocha sobre seu novo filme,Transeunte

Por Andréia Silva (Saraiva Conteúdo)

Depois de passar por festivais nacionais e ter exibições em sessões especiais, Transeunte, primeiro longa de ficção do cineasta Eryk Rocha, chega aos cinemas trazendo a história de Expedito, um aposentado solitário que se tornou um figurante da vida em uma grande cidade. É esse caminho da morte para vida que acompanhamos ao longo do filme.

Eryk conta que teve a ideia inicial do filme, de contar a história de um homem em estado de extrema solidão, em 2004, durante o Festival de Cannes, enquanto observava o vai e vem de celebridades desfilando no tapete vermelho. Olhar aquilo tudo lhe trouxe uma reflexão: e seu um completo estranho aparecesse no meio dessas pessoas?

“A gente precisa do outro e só existe pela memória do outro. E eu acredito que o cinema pode mostrar a passagem desse homem desconhecido pelo mundo, pode identificar os rastros”, disse Eryk em entrevista ao SaraivaConteúdo.

Quase quatro anos depois da ideia, o roteiro começou a ser escrito a quatro mãos, por Eryk e Manuela Dias. A história poderia acontecer em qualquer grande metrópole, onde o olhar desatento ao outro já parece algo rotineiro.

O tapete vermelho foi transportado para o Rio de Janeiro, cidade onde Eryk guarda suas memórias afetivas e onde diariamente milhares de anônimos com histórias desconhecidas circulam e se cruzam sem saber nada uns dos outros. “Sempre me pergunto quem são aquelas pessoas no metrô, de onde elas vêm, quais são suas histórias, e acaba passando despercebido”, diz ele.

No filme, que tem um forte tom documental, Expedito (Fernando Bezerra) leva uma vida solitária sem amigos nem familiares – apenas uma sobrinha não muito próxima surge no meio da história – e muito apegado ao passado. Pouco se sabe sobre Expedito. Até que ele começa a se redescobrir através do desejo e da fantasia, pontos chaves em seu renascimento. É a vez das mulheres, samba e do futebol (ou melhor, o mengão).

A cidade é também um personagem no filme de Eryk. O barulho das buzinas e sirenes, o andar da multidão, o trânsito, a chuva e as construções – há sempre algo para se construir e desconstruir em uma grande cidade, assim como na vida - dialogam com o silêncio de Expedito.

“Essa trajetória de redescobrimento tem uma relação com a própria cidade, que dá a ele uma pulsão de vida”, diz o cineasta. “Tratava-se de buscar a pele, não apenas a dos personagens, mas da cidade”, completa.

Para o protagonista Fernando Bezerra, participar do filme foi realizar um sonho. No Festival de Brasília do ano passado, onde o filme foi exibido, Bezerra disse que um de seus grandes sonhos era trabalhar num filme de Glauber Rocha. “Aí ele morreu e eu fiquei frustrado, porque isso nunca mais ia acontecer. Então surge este incrível acaso de atuar num filme do filho dele”, disse na época.

A escolha de Bezerra foi puro acaso. Por ser um filme que se apoia em um único personagem, a escolha do ator foi uma tarefa árdua, segundo o cineasta. Até que Walter Salles, produtor do longa, indicou Fernando Bezerra, que havia trabalhado com ele em Linha de Passe.

“Foi ótimo porque eu queria um ator desconhecido do público, que tivesse uma imagem longe de novelas, da TV... Queria trabalhar esse estranhamento do público e fazer uma dança cênica, uma integração entre dramaturgia e realidade”, conta Eryk.

O resultado foi alcançado. No filme, não dá para ter certeza de quem é figurante ou anônimo. Pouco se sabe sobre Expedito e durante o filme, poucas respostas são dadas, o que permite a imaginação de diferentes Expeditos por parte do público.

O filme estreia na sexta (12), primeiro em São Paulo e no Rio de Janeiro e depois, ainda este mês, segue para outras capitais brasileiras.

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