26.8.08

Adorável sacrifício


"Eles cobram muito e dão pouco". Eles, para Rosângela dos Santos, é pronome indefinido. Podem ser os dirigentes do esporte brasileiro, os amigos, os vizinhos. A velocista de Padre Miguel, subúrbio do Rio de Janeiro, convive com um paradoxo: recebe a pressão de ser atleta de ponta tendo só 17 anos.

Integrante da equipe do revezamento 4x100m nos Jogos Olímpicos de Pequim, que começaram nesta sexta, só agora a garota descobre a parte boa do esporte - a ruim ela já conhece há algum tempo.

Até ser contratada pelo Fluminense, neste ano, a maioria das despesas com o atletismo era bancada pela mãe, que mora nos Estados Unidos. Lá, Rosângela nasceu e morou até completar um ano.

Ainda se surpreendendo com o assédio, ela brinca com a ligação do repórter, que interrompeu os preparativos para a viagem à China. "A imprensa pressiona muito, também, viu?".

A rotina de viagens impede uma dedicação maior aos estudos do 3º ano do ensino médio. "Mas o colégio entende, né? Aí meus amigos guardam a matéria pra mim...", diz, rindo, no mais autêntico carioquês.

O baiano Everton Lopes, 19, não contou com tal ajuda. Quando deixou de ser ajudante de obras e carregador de compras de supermercado para investir no boxe, precisou parar na 7ª série. "Mas tô querendo voltar a estudar. A gente não tem muito tempo na profissão". Ele converte as dificuldades em incentivo. "Se eu tivesse regalia demais, não iria lutar tanto e mostrar resultado", diz Everton, morador da Av. Ogunjá, em Salvador.

Toda a seleção brasileira da modalidade conta com uma ajuda de custo da Confederação Brasileira de Boxe [CBBoxe] entre R$ 800 e R$ 1.500. Luís Carlos Dórea, ex-boxeador e um dos treinadores da equipe, ressalta a influência da ajuda financeira nos resultados. "Sem se preocupar com alimentação e material de treino, por exemplo, fica mais fácil manter o foco nas competições".

Everton, que optou pela mãe quando da separação dos pais, contou que a relação com Dórea extrapola os limites do esporte. "Gosto de meu pai, mas não tenho tanta amizade. Já meu professor acaba estando do meu lado nas horas ruins e nas boas".

O técnico chama de "família" o grupo treinado por ele na Academia Champion, na Cidade Nova, onde Acelino "Popó" Freitas virou estrela. "Eu os oriento como faço com meu filho. Sei que eles estão virando adultos agora, e é difícil abdicar de tudo pelo boxe".

Dúbio- Segundo o psicólogo do esporte Rafael Tedesqui, o conflito juventude e responsabilidade pode ter resultados opostos. "A pressão da mídia, dos técnicos e dos pais pode exercer influência muito negativa se o atleta não estiver bem psicologicamente". Ele explica que esportistas não podem ter prejuízo tão grande, sob risco de ter depressão e burnout [exaustão e queda de interesse no trabalho].

Mayra Aguiar tenta fugir disso. A gaúcha não passou pelas dificuldades de Everton Lopes, mas também abandonou os estudos para se dedicar só ao judô. Embora a decisão tenha sido "pensada", ela se ressente da vida social, reduzida ao esporte. "Sinto falta de falar sobre outras coisas, de ter outros amigos. Minhas relações são todas do judô".

Mas Mayra mantém o bom humor. "Meus pais estão abrindo mão de muitas coisas para eu viver este sonho. A geladeira lá de casa, por exemplo, não tem a menor graça. É só alimento saudável!"

Profissionalismo pode ser paixão ou desafio

Jefferson Lacerda foi um dos três canoistas brasileiros nos Jogos de Barcelona, em 1992, a primeira em que o Brasil esteve representado na modalidade. Agora treinador, ele não vê grandes diferenças no apoio ao esporte olímpico, 16 anos depois. "O Brasil continua investindo nos atletas de ponta e deixando a base desprotegida".

Para ele, o potencial dos jovens atletas é, quase sempre, conhecido "na tora". "Fui às Olimpíadas porque dei sorte de minha escola incentivar o esporte. Conheci a canoagem e corri atrás, porque percebi que dependeria só de mim. Os meninos que treino ainda têm de fazer a mesma coisa".

O Bolsa-Atleta, principal iniciativa do Governo para remunerar esportistas, ainda é para poucos. Para receber a ajuda de um salário mínimo [R$ 415], o candidato precisa ter ficado entre os três melhores de sua modalidade nas Olimpíadas Escolares, evento nacional que acontece a cada ano.

Diferente - Luiza Almeida é exceção entre os atletas brasileiros. De família tradicional, não enfrentou os empecilhos habituais. Para ela, porém, não foi por isso que chegou tão cedo aos Jogos Olímpicos  tem apenas 16 anos. "Nunca pensei na minha idade como uma coisa ruim, pois ela mostra que a dedicação é o fator mais importante para conquistar seus sonhos, e não a experiência ou a classe social".

O psicólogo Rafael Tedesqui avalia que, muitas vezes, a condição financeira do atleta influencia no rendimento, já que a pressão costuma ser maior para aqueles que são considerados a esperança da família. "Para quem não vê o esporte como única alternativa, a tranqüilidade costuma ser maior. Já quem recebe o rótulo de salvação da família pode ter uma frustração maior, por conta da quantidade de expectativas depositadas".

Tedesqui, entretanto, lembra que há muitos atletas, que, como Everton Lopes, se dizem melhores quando enfrentam obstáculos. "Às vezes, por maior que seja a cobrança, a pessoa até só funciona bem diante da necessidade".

Por Felipe Paranhos, publicada no Blog do Dez! em 08/08/08
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