9.1.09

Foi 2008, foi Luizão


Em homenagem ao "rei" Luizão, figura do cotidiano uesbiano e conquistense, falecido no último dia 31, disponibilizo abaixo matéria de Fernanda Castro e Zélia Sousa publicada no jornal-laboratório Oficina de Notícias (ed. 14), produzido por estudantes do curso de Comunicação Social da Uesb.

Um célebre desconhecido
Uma grande história de vida é guardada no silêncio de Luizão

Andando a passos lentos, ele percorre as salas de aula do campus da Uesb de Vitória da Conquista, com “cadeira cativa” na maioria delas. Sua barba e cabelos brancos lembram o Papai Noel, tornando-o uma figura excêntrica, que desperta espanto e curiosidade. Luiz Osório Santos Britto, ou simplesmente Luizão, 63, natural de Jequié-BA, é uma das figuras mais populares da Universidade, em torno do qual giram diversas “lendas”. No entanto, pouco se sabe sobre a vida desse ilustre personagem.

Nos corredores da Uesb contam-se muitas histórias sobre Luizão. Dizem que, por oposição de sua família, não conseguiu ser padre e tornou-se uma pessoa depressiva. Contam, ainda, que de tanto estudar para o vestibular teria ficado com distúrbios mentais. Há também quem afirme que Luizão era muito rico, e que, de olho nos seus bens, sua família aproveitou-se de uma de suas crises para interná-lo num manicômio, apropriando-se de sua fortuna. Essas histórias acerca de Luizão surgem como tentativa de trazer à tona os motivos que o levaram a ser uma figura ímpar no cotidiano da Uesb e de Vitória da Conquista.

Filho do casal falecido Davi da Costa Britto e Hildete Santos Britto, Luizão é o primeiro de uma família de três irmãos. Foi filho único até os 12 anos de idade e viveu em Jequié até os 17, onde levava uma vida normal, segundo seu primo Hélio Ribeiro, 70. “Na adolescência, Luiz era um rapaz sociável, dançava muito no Jequié Tênis Clube”, relembra.

Em 1960, o seu pai, comerciante de classe média, resolveu mudar-se com a família para Salvador, onde abriu um pensionato. Luizão passou a estudar no Colégio Central da Bahia e era um aluno aplicado e inteligente. Costumava vir a Conquista durante as férias escolares visitar os primos, e com eles, passeava e se divertia como qualquer adolescente.

Cursou até o segundo ano científico e obteve aprovação num concurso público do BANEB (Banco do Estado da Bahia) aos 19 anos, mas foi eliminado ao ser submetido a um psicoteste (uma das etapas do concurso). A partir de então se constatou que ele tinha problemas mentais. Segundo José Carlos, 50, irmão de Luiz, posteriormente a doença foi diagnosticada como esquizofrenia paranóide, cujos sintomas mais freqüentes são os delírios e as alucinações. Hélio Ribeiro lembra que a avó materna de Luiz também era doente mental.

Em meados de 1970, convidado por familiares proprietários dos Supermercados Jequié para gerenciar uma das filiais, o pai, Davi, veio morar com a família em Vitória da Conquista. Em suas visitas ao supermercado, era comum Luizão comer, de uma tacada só, mais de um quilo de queijo com duas goiabadas em lata, acompanhados de uma garrafa de suco integral. “De tanto comer, Luiz chegou a pesar cerca de 120 quilos”, diz o seu primo.

O trauma da obesidade o levou a fazer um regime severo por conta própria. “Ele emagreceu simplesmente porque parou de comer”, esclarece Hélio acerca de falsos rumores sobre um possível diabetes adquirido por Luizão.

Por se considerar uma pessoa normal, Luiz (como prefere ser chamado) se recusa a fazer tratamentos médicos e não faz uso de remédios. Sua memória é regressiva. “Ele só se lembra com facilidade de fatos passados. Recorda-se de datas de aniversários de parentes e fala inglês com muita fluência”, comenta Hélio.

Seus irmãos José Carlos e Terezinha vivem em Conquista, mas Luiz, aposentado, mora sozinho numa casa deixada pelos pais, na URBIS I, sob os cuidados de uma empregada.

Convívio social

Aulas na Uesb, sessões na Câmara de Vereadores, casamentos, batizados, formaturas, missas, reuniões comunitárias e de partidos políticos e até congressos de Medicina fazem parte da agenda diária de Luiz. A sua presença em todos esses eventos é, no mínimo, curiosa e chama a atenção. Hélio explica que “Luiz se sente muito só e, com isso, quer estar onde está a sociedade, onde estão os intelectuais. Ele tem necessidade de se valorizar”. Prova disso é a sua participação nas missas da Paróquia Nossa Senhora das Candeias, onde atua como o “maestro” do grupo de cânticos durante as celebrações.

Luiz gosta de se sentar numa das cadeiras do altar, ao lado do padre, ministros e coroinhas e é o primeiro a fazer a prece espontânea. “Ele nunca deixa de rezar pelas almas dos seus pais durante a oração dos fiéis”, diz Jane Lúcia, secretária da Paróquia, lembrando, ainda, que Luiz sempre está por dentro das datas e horários dos eventos paroquiais e que, durante a semana, aparece com freqüência na secretaria, e lá fica horas sentado e quase sempre mudo. “Às vezes pergunta se é bom morar só, se é bom ter irmãos, se irmãos brigam e se é bom ser filho único”, comenta Jane.

O professor José Duarte, da Uesb, recorda-se que Luiz já foi bastante falador. “Ele freqüenta a Universidade há mais de 20 anos. Percebo que hoje em dia está bem mais calado”, diz. Sua docilidade é confirmada por todas as pessoas que convivem com ele. Vivaldo Melo, 63, morador da URBIS I, é seu vizinho há 21 anos e afirma que Luiz nunca incomodou a vizinhança. “Às vezes, quando passa por mim, responde aos meus cumprimentos, mas é muito calado”, declara.

Comunidade no Orkut

Uma das provas da popularidade de Luiz é a comunidade do Orkut “Luizão é rei”, criada em 30 de novembro de 2004 pelo estudante de Ciência da Computação, da Uesb, Fábio Lélis. A comunidade conta com 990 membros - até o fechamento desta reportagem.

Fábio explica que a idéia da comunidade surgiu com o objetivo de “criar um lugar virtual, onde as pessoas pudessem discutir, com bom humor, o comportamento de Luizão”. A comunidade abre as portas para que Luiz possa ser conhecido por qualquer internauta, dando-lhe o merecido destaque de alguém que é “rei” e que certamente nunca perderá sua majestade.
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