18.6.09

A revolta dos ‘com diploma’

Assusta-me a reação de muitos jornalistas (ou ainda pretensos) com relação à decisão do STF, neste dia 17, de derrubar a exigência do diploma. Aliás, exigência nem tão exigente. Quantos estão aí atuando como jornalistas sem nem mesmo registro de provisionado, assinando matérias, mas tendo outro jornalista como responsável... Quem questiona isso?

Agora se sentem ameaçados com a possibilidade de “qualquer um” poder se tornar “jornalista”, mas onde estavam quando teve início a discussão acerca da exigência do diploma? Quem se posicionou antes? Quantos deram a cara a bater?

Não é a mídia o quarto poder? O instrumento de influência? Que transforma, forma e deforma a opinião pública? Onde estavam os jornalistas “formados”? Onde estava o interesse pela exigência?

Talvez estivessem ocupados demais, trabalhando demais, estudando demais... Não nos ocupamos com as discussões e com a reflexão acerca do assunto. Não ocupamos as salas de aula, não questionamos os professores, não nos permitimos participar dos espaços de debate ou não construímos bandeiras de luta, nem ideias novas ou mesmo integramos sindicatos, centros, associações, diretórios, movimentos... Foi cada um por si, e o Supremo contra todos...

Ao que parece, a preocupação que só agora surge, é do tipo: “poxa, esse era o espaço que eu poderia ocupar, o daquele cara que não tem um diploma...” ou “essa era a única coisa que dava valor ao meu currículo...”.

Mas, afinal, o que é ser jornalista por formação? Cabe à universidade garantir a formação de um jornalista? E ela está pronta para tal missão?

Antes das técnicas e das teorias, moral, caráter, dignidade, respeito e ética que fazem do jornalista capaz de atuar numa sociedade democrática. E de onde vêm esses valores? Onde os encontramos? Nos livros de filosofia, nos bancos da faculdade? Estes vêm do berço, como diriam os mais antigos.

Um diploma não garante absolutamente nada! Ainda mais no Brasil, onde a educação nunca esteve entre as prioridades. Não é a universidade que forma o caráter do jornalista e, pior, a universidade não reproduz a prática jornalística como ela se dá realmente. Não ensina como lidar com os conflitos e com os constrangimentos internos e externos das redações.

A universidade é sim um diferencial, é onde nos deparamos com as teorias, com as correntes de pensamentos. Onde alimentamos (se nos permitirmos) o nosso senso crítico, onde acabamos com preconceitos, encaramos a realidade das opressões e exclusões e, ainda, onde encontramos o espaço para questionar, incluir e debater com os grupos que estão do outro lado do muro. E o que nós permitimos fazer é muito pouco. Afinal, para muitos sair com o diploma já era o bastante.

Todo mundo pode ser um bom contador de história, se isto basta, quem irá dizer o que é ser um bom jornalista, será o de sempre: o público. Se ele terá condições para fazer isso, só o tempo dirá.
Não existe distinção entre o jornalista “diplomado” e o provisionado. As academias estão aí a reproduzir os modelos do mercado. Não existe o enfrentamento... Os deslizes, os erros, as estratégias, as manipulações existem independente de possuir um diploma. As motivações estão para todos, ser antiético e deixar de lado a “ideologia dos valores” é uma opção para quem se sentir à vontade a aderir...

Agora nos incomodamos com a comparação do Gilmar Mendes. Nós, jornalistas, comparados a cozinheiros? Bela comparação, afinal entre os cozinheiros existem donas de casa e chefs de cozinha, e quem pode me dizer qual deles é verdadeiramente cozinheiros. Posso preferir a feijoada do boteco ao prato principal de um chef francês. Posso ter uma complicada reação intestinal com o cordeiro ao molho de uva servido naquele restaurante especializado e me dar muito bem com o sarapatel na barraca da feira.

Mas, não, jornalistas não podem ser comparados a cozinheiros. É muito desprezo para os imponentes guardiões do poder... Preferimos ser chamados apenas de jornalistas, afinal é o mesmo “tipo” do Fernando Morais, Alberto Dines, Boris Casoy, William Bonner, Mino Carta, Diogo Mainardi (cada um com o seu referencial...). Humildade, caramba!

O que pode fazer de nós jornalistas, com certeza, não será um pedaço de papel assinado por um reitor após os quatro anos dentro na faculdade, encarando as mazelas estruturais da educação brasileira, barrada pela burocracia e pelo descaso (principalmente, se você for estudante de uma universidade pública). E quem diz ser jornalista com apenas este documento, desconfie!

Ailton Fernandes
(estudante de Jornalismo da Uesb – Vitória da Conquista, prestes a colar grau)

*Retorno a escrever no DeBalcão antes do previsto, forçado pelo polêmico tema.

5 comentários:

caique disse...

Bem poética sua visão, simplista e "pop" (na minha opinião). Não é o ato em si do STF mas os motivos pelos quais essa ação foi tomada. Mas enfim, sua visão das coisas é bem confortável.

Saudações culinárias!

evandro disse...

Esse é o chu!!

Mover Comunicações disse...

Chu meu amigo, acho a sua reflexão muito interessante e concordo com ela em várias partes, mas não sejamos ingênuos concluindo que foi a razão e o bom senso os condutores desta decisão do "supremo"...No mundo capitalista, nenhuma decisão escapa da lógica de mercado...A decisão é mercadológica, conforta as empresas e não os cidadãos...Continuaremos com a tal da péssima educação...só que agora ela será acompanhada de uma maior precarização da força de trabalho, eis aí a sábia decisão dos nossos amigos juízes...
bjão

Joanarlista disse...

Adorei esse texto, mas não concordo com tudo que escreveste...

É verdade que a decisão do STF só elucida uma prática comum na profissão, contudo, acredito veemente que a exigência do diploma é algo importantíssimo para o exercício do fazer jornalismo.

Na verdade sou uma profissional que comungo a ideia da formação acadêmica aliada à experiência de mercado, ou seja, incorporar teoria com a prática.

Nunca aprenderemos tudo na Universidade, também é sabido que ser jogado no mercado de trabalho simplesmente pela facilidade da escrita, oratória ou imagem, não nos faz ser um exímio profissional, pois em algum momento iremos recorrer às teorias e a todas aquelas coisas que aprendemos.

E para esse aprendizado ser consolidado são quatro anos de muitos esforços, privações, desafios... E para quê? Para a mais importante e “competente” instância do nosso país dizer que foi em vão, e ainda, comparar com o tão importante ato de cozinhar.

Como diz um amigo, nada contra os cozinheiros, mas sim contra os políticos... E fica aqui meu desabafo: “Ainda bem que sempre gostei de cozinhar!”

Enfim, o que falta é oportunidade para os bons profissionais do Jornalismo, sejam diplomados ou provisionados, mostrarem seus talentos e vocação para o exercício legítimo e honroso da profissão.

Fico na expectativa para aprovação da PEC (Proposta de emenda à Constituição) de autoria do senador Antônio Carlos Valadares – PSB/SE, que será apresentada no dia 01 de julho no Senado Federal.

Aos colegas jornalistas, cuidado com apetitosos pratos informativos que nos serão servidos, às vezes insosso, outrora apimentados de sensacionalismo ou ainda recheados de substâncias indigestas.

Unknown disse...

Olá!

Gostei do seu texto, principalmente por ser praticamente um jornalista com formação.(não sei se já se formou)
Não tenho formação, mas estou nessa profissão desde 97. Por isso, sou a favor da queda do diploma.
Lutei muito para fazer o curso de Jornalismo, mas como era viúva, não consegui. Na época era mais importante sustentar minhas filhas com o pequeno salário que ganhava como repórter da emissora local em uma cidade que não oferece o curso até hoje.
Se pudesse, claro que teria feito tenho consciência de que ainda não sei muitas coisas que se aprende só na faculdade e não desmereço quem tem o diploma, porque se eu pudesse, teria.
Mas acredito que existem "casos" e "casos" de jornalistas sem formação, como o meu e que todos deveriam ser analisados.
Quem sabe se fosse criado um curso técnico para aqueles que já exercem plenamente a profissão? É um caso a se pensar, como disse recentemente a jornalista e âncora do "Jornal Hoje", Sandra Annenberg.
Ainda espero concretizar esse que passou a ser um sonho para mim, mas enquanto isso não acontece, minha filha que está no primeiro período do curso de Comunicação Social, está realizando o dela.

Um abraço

Sonia Majeau