27.8.11

As indústrias remodeladas por Steve Jobs

David Pogue
The New York Times



Quando Steve Jobs renunciou à presidência executiva da Apple na quarta-feira, sua nota ao público e ao conselho da Apple foi curta e elegante. Em essência, foi a seguinte: “Eu sempre disse que se algum dia não pudesse mais cumprir meus deveres e expectativas como CEO da Apple, seria o primeiro a informá-los. Infelizmente, esse dia chegou.”

Como se pode imaginar, essa notícia está abalando o mundo – e não somente o mundo da tecnologia. Afinal, Jobs remodelou quase sozinho um leque espantoso de setores: música, TV, cinema, software, celulares, e computação em nuvem. Os produtos que ele conduziu até a existência com uma visão obstinada parecem uma lista das 10 Mais ou das 50 Mais bem-sucedidas invenções do mundo: Macintosh. iPod. iPhone. iTunes. Imovie. Ipad.

Ele fez muito bem aos acionistas da Apple também. Há 10 anos, cada ação da Apple valia US$ 9; hoje, vale US$ 376. A Apple compete cabeça a cabeça com a Exxon Mobil pelo título de companhia mais valiosa do mundo.

Ontem, a maioria das reações online lembrava um obituário – para Steve Jobs, se não para a Apple. Será apropriado? Bem, somente o círculo íntimo de Jobs sabe o quão doente ele realmente está. (Ele recebeu um diagnóstico de câncer pancreático em 2004, foi submetido a um transplante de fígado em 2009 e tem tido problemas de saúde desde então). Mas ninguém, nem mesmo Jobs, pode dizer com certeza se a Apple ainda poderá ser a Apple sem Jobs no comando.

Há três razões porque poderia – e uma grande razão porque não poderia.

A boa nova: primeiro, Jobs não está saindo da Apple. Ele continuará presidente do conselho da Apple. Tim Cook, que há anos vem sendo diretor de operações da Apple, assumirá como presidente executivo. (Ele vem sendo o CEO em exercício desde janeiro). Podem apostar que, como presidente, Jobs ainda será o chefão. Ele ainda estará puxando muitos cordões, apresentando sua visão para sua equipe cuidadosamente construída, e pesando nas leituras da bússola da companhia.

Segundo, o mundo da tecnologia não muda de uma hora para outra. O baú de produtos por sair da Apple já está forrado com pelo menos dois anos de produtos sob a direção de Jobs. No curto prazo, não se verá qualquer diferença na produção de invenções populares e descoladas da Apple.

Terceiro, mesmo que Jobs não esteja presente em cada reunião de design, rasgando ou endossando com entusiasmo cada ideia que lhe é apresentada, seus gostos, métodos e filosofias estão profundamente entranhados no sangue da companhia. No Vale do Silício, sucesso gera sucesso. E, nesse aspecto, poucas
companhias têm uma concentração tão alta de gênios – em tecnologia, design e marketing – como a Apple. Líderes como o deus do design Jonathan Ive e o gênio de operações Tim Cook não deixarão a companhia ficar à deriva.

Assim, está perfeitamente claro que, nos próximos anos, ao menos, a Apple continuará sendo a Apple sem Jobs tão envolvido como tem estado há anos.

Mas a despeito desses sinais positivos, tem uma droga de um enorme elefante na sala – uma razão inevitável porque é difícil imaginar a Apple sem Jobs no timão: personalidade. Sua personalidade fez a Apple ser a Apple. É por isso que nenhuma outra companhia foi capaz de replicar o sucesso da Apple. Mesmo quando Microsoft, Google ou Hewlett-Packard tentaram imitar cada movimento da Apple, passar seus designs pela máquina copiadora corporativa, eles nunca conseguiram.

E isso porque nunca tiveram um líder tão único, bem focado, profundamente obstinado, micro-administrador, intransigente, carismático, persuasivo, visionário.

Ao manter um controle tão grande sobre as menores decisões de design, ao antecipar o que todos queriam antes mesmos de eles o fazerem, ao identificar a promessa de novas tecnologias quando elas ainda eram protótipos, Steve Jobs comandou a Apple com a agilidade de uma companhia principiante, enquanto a construía como uma das maiores empresas do mundo.

“Acredito que os dias mais brilhantes e mais inovadores da Apple estão por vir”, escreveu Jobs em sua carta de renúncia. É um endosso maravilhoso. Mas será mesmo? Quererá ele realmente dizer que os dias da Apple serão mais brilhantes e mais inovadores sem ele no assento do motorista?

Tim Cook recebe avaliações entusiasmadas como executivo e administrador. Mas será ele um visionário ao estilo de Jobs? Terá o carisma ao estilo de Jobs? Terá um campo de distorção da realidade jobsiano? Em 2001, teria ele sido capaz de convencer as companhias gravadoras a vender sua música por US$ 1 por canção? Em 2005, teria tido a força de personalidade para fazer a Cingular redesenhar seu sistema de correio de voz para o correio de voz visual do iPhone? Em 2009, teria sido capaz de intimidar a AT&T a oferecer um plano de dados sem necessidade de contrato, por um mês de cada vez, para o iPad?

Terá ele a confiança maluca de enterrar tecnologias que considera moribundas, como Jobs fez com grande frequência (disquete, modem de discagem, e no Mac OS X Lion, até o envio de fax)? Saberá ele onde o gosto do público virá repousar daqui a dois anos? Daqui a cinco anos?

Há muita coisa de Steve Jobs na Apple, e uma quantidade incrível de talento em sua sede em Cupertino. Portanto, aconteça o que acontecer, a Apple não afundará lentamente numa bolha inchada sem direção e descaraterizada como, por exemplo, Yahoo, Hewlett-Packard ou Microsoft.

Mas o que ocorrerá quando o baú de novos produtos de Jobs não estiver mais cheio, e quando sua personalidade difícil, brilhante, carismática e moldadora do futuro não for mais a face da Apple? É difícil imaginar que nunca mais veremos outros 15 anos de sucessos arrasadores como iMac, iPod, iPhone e iPad – da Apple ou de qualquer outra. E isso é realmente triste.

Obrigado, Jobs, por uma jornada incrível. Os mundos de cultura, mídia e tecnologia jamais viram algo como você. Em seu novo papel, desejamos-lhe saúde, repouso e felicidade – e, sempre que sentir vontade, a oportunidade de deixar a Apple saber onde o gosto do público irá repousar.

Tradução de Celso Paciornik

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