14.12.11

Dilma no Tribunal da Vergonha


O país não conhecia esta foto de ‘Estela’, mas reconheceu logo na imagem inconfundível a figura quase adolescente e já convicta da futura presidente Dilma Roussef, que sobreviveu à tortura e à ditadura para, quatro décadas depois, chegar pelo voto popular ao poder usurpado tanto tempo pelos militares. A cena inédita surpreende pela personagem ilustre, mas é espantosa pela presença de duas figuras ainda anônimas, em segundo plano, que conseguem atrair ainda mais a atenção: os dois juízes militares que roubam a cena da guerrilheira em juízo. Eles vestem a túnica do uniforme do Exército e, com a cabeça baixa, apoiados sobre o braço direito, cobrem o rosto com a mão espalmada, ocultando os olhos e a boca, como se eles é que fossem os réus.

Poderia ser um gesto casual, uma mera coincidência, mas é muito mais do que isso. É uma reação coordenada, quase sincronizada, uma ordem unida de desonra, um gestual quase idêntico, um ato reflexo de quem busca o anonimato, de quem procura se esconder, fugir, fingir que não está ali. Ao contrário da moça temerária à sua frente, de cara lavada e mirada quase atrevida, os dois homens fardados ao fundo estão constrangidos, intimidados. Os militares da foto, num sentido estranhamente oposto ao da guerrilheira, estão envergonhados por estarem ali, naquele lugar, naquele momento, expostos à sentença implacável de uma câmera fotográfica.

Diante da presença no tribunal daquela quase menina, frágil e torturada, os dois maduros juízes militares escancaram a dolorida consciência de que não serão absolvidos pelo juízo inapelável da História. Por isso, na falta de um capuz, usam as mãos para se esconder.

O homem à esquerda é um capitão, o da direita exibe nos ombros os galões de major. Fora da foto, quase em frente à jovem, senta-se o presidente do tribunal, um coronel. Na outra ponta da bancada acomodam-se mais dois juízes militares, os vogais. O fotógrafo anônimo, por alguma razão, estava ali autorizado pelo coronel para fazer o registro da audiência e os dois juízes flagrados por sua lente sabiam do perigo iminente da foto. Assim, trataram de esconder suas identidades, na esperança de que esta canhestra tentativa de fuga à responsabilidade lhes assegurasse o pleno anonimato e a eterna impunidade. Livraram a cara e deixaram seus nomes na clandestinidade, mas assim delataram, na cena muda das mãos, a verdadeira face do regime que representavam naquele tribunal de exceção armado por militares para julgar civis, marca distinta de todo regime autoritário.

A imagem envergonhada dos militares que se escondem é a mais dramática e eloquente autoconfissão do crime contra a democracia e os direitos humanos perpetrado pelos generais no golpe de 1964. Apesar da vergonha de seus julgadores, a guerrilheira ‘Estela’ foi condenada a seis anos de prisão. Cumpriu três e, com o recurso, acabou punida com dois anos e um mês de cadeia. “Sobraram 11 meses, que eles não me devolveram. Sou credora do país”, brincou Dilma comigo numa entrevista que fiz em 2005 com a então chefe da Casa Civil de Lula para a revista IstoÉ.

Por Luiz Cláudio Cunha, leia artigo completo aqui.

Abaixo, a resposta de Dilma, então ministra da Casa Civil, ao senador José Agripino sobre o fato de ter mentido durante interrogatório quando foi presa pelo regime militar.
 

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