31.3.12

#100Camillo XVII: Lição



Mestre,
Que hei de fazer, quando os pássaros cantarem
Vendo o sol, - rei do fogo, - a dourar a montanha?
É preciso que eu seja uma sombra- eu tão moço?
Hei de ser triste em meio a alegria tamanha?
  
- Filho,
Essa voz
que quer cantar a vida
Não a sufoques nunca na garganta.

- Mestre,
E que hei de fazer quando os pássaros cantarem?

- Canta!

- Mestre,
E se um dia o amor, - esse veneno lento,
Àspero como a penha e macio como o lírio,
Vezes tranquilo como o céu, vezes violento
Como o mar, como os leões, como o delírio! -
E se um dia o amor me aparecer?

- Enfrenta-o.
Avança para o amor se o amor te reclama.

- Mestre,
E que hei de fazer ante o amor, se vencido?

- Ama!

- Mestre,
Se um dia, - ai como é triste este caminho! -
Alguém vier para mim, - velho, moço, criança,
Coração sem amor, boca sem pão, ave sem ninho?

- Dá-lhe a alma, que é calor. Dá-lhe esperança.

- Mestre,
E onde irei buscar alma, - essa alma que aquece?
E essa esperança, - ela que alenta e revigora?

- Filho,
Tudo em ti mesmo está. Vem de ti. Ouve:
Chora!

- Mestre,
Se a terra adusta, do sol cruel martirizada,
Ventre ancioso a esperar um alguém que a fecunda,
Chamar por mim, como a mulher amada,
Prometendo a riqueza, o conforto, a fortuna?

- Filho,
Levanta. Reteza os teus músculos. Malha.
Cava. Sua. Fecunda a terra e criarás um mundo.
Trabalha!

- Mestre,
Se um dia, os déspostas malditos
Desejarem fechar a minha boca
Para que eu não grite mais, não clame mais?
Mestre, meus pensamentos e meus brados
São livres - como os vendavais!
Mestre, se êsse monstros a minha liberdade
Querem ver cativa? Na hora ingrata,
Mestre, na hora tremenda, que farei?

- Mata!

- Mestre,
Se um dia, enroquecer-se a minha voz que canta?
Se um dia, envelhecer meu coração que ama?
Se um dia, emperdernir-se a minha alma que chora?
Se um dia, cansarem-se meus braços que trabalham?
Se um dia, eu não tiver  coragem de matar
Para que a Liberdade não pereça?
Mestre, que ei de fazer? que serei eu na terra?
Fala! de tua boca a verdade dimana,
Como um leite sagrado,
Bálsamo suave que de teus lábios escorre

Mestre,
Tudo acabado, eu só eu sem nada, eu cativo.
Mestre,
Que hei de fazer escuta. Filho

- Morre!

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