27.7.06

Ela não é mais a mesma



Minha cidade mudou muito...

Na casa da minha vó o velho bule onde se fazia café não existe mais, a água sempre está fervendo por voltas das cinco, mas não naquele bule... Senti a falta dele.

As janelas que dão para a rua daquelas casas estreitas estão atrás de grades e ferrolhos, ninguém mais deixa a janela aberta para o vento entrar, ninguém fica mais na janela vendo o tempo passar.

A lavadeira, são poucas as que existem, ainda desce com a trouxa na cabeça pra entregar a roupa limpa aos donos, não lavam mais as roupas na beira do rio como antigamente, quem sabe nem o tanque existe mais...

Um senhor passa vendendo tangerina pela rua, oferecendo de porta em porta com um carrinho de mão, quase ninguém compra...

Um velho jumento sobe puxando a carroça vazia, desanimados, ele e o senhor que o guia, “nenhum frete”.

O dia de feira... Antes todas as mulheres e senhoras saiam cedinho para comprar as melhores frutas, verduras e hortaliças... Hoje não, dia de feira agora é todo dia, qualquer hora, no mercado encontram de tudo já.

Não vi nenhum menino gritando “olha eu, o picolé...”, será que era devido ao frio? Não acredito muito.

Desconhecidos passam por mim, talvez até os conhecesse, mas mudaram... São outras pessoas hoje, crescidas, amadurecidas ou não.

As pessoas mudaram de suas casas, deixaram a cidade ou a rua, em busca de novos horizontes ou vizinhos.

À noite, o som das motos e dos carros tomam o silêncio que antes começava cedo, ainda ao entardecer.

Domingo a missa começa no mesmo horário, o mesmo carrinho de pipoca está à frente da catedral, que conserva a mesma torre, pouco conservada, aliás. Mas as crianças que corriam pela praça já não estão. Perto do carrinho de pipoca só o pipoqueiro e dentro da igreja poucas pessoas ouvem o sermão do padre, que não é o mesmo (não conheço o novo padre).

O dia passa com a mesma melancolia. Mas nesse dia era diferente, olhos vermelhos e lágrimas no rosto, a cidade estava tomada pela sensação de tristeza: uma pessoa mudou de endereço, deixou sua casa, sua rua, sua cidade, sua vida, e mudou a vida das pessoas próximas, dos seus filhos, do seu marido, dos seus irmãos, dos vizinhos, de todos que sentiram sua perda.

A minha pequenina grande cidade, hoje desbotada no meu velho retrato, me faz rir, me faz chorar ou não me faz diferença nenhuma, mas me faz feliz sempre, até quando a melancolia resolve parar em mim, a dor da perda que não me agrada, só me cria saudades, e muitas, pois muita coisa da minha cidade se perdeu com o passar dos anos. Algumas coisas permanecem, outras já se foram e muitas não consigo esquecer porque estão dentro de mim e são ainda da minha cidade.

Minha rua, minha cidade, que já não é mais minha cidade, jamais será a mesma onde cresci. Mudou muito, muito mesmo.

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