1.7.06

Tudo muito bem?


De dentro do meu carro em plena avenida Paulista tento chegar um pouco menos atrasado, a velocidade no limite que o trânsito permite, há quase 500 metros do meu escritório, um sinal... que resolve fechar bem quando eu estaria atravessando.

As pessoas começam a atravessar, minha paciência já havia esgotado, bato os dedos no volante sem parar... "já devia estar na reunião com o chefe... hoje vai ter bronca". Ao meu lado outros carros... começo a observá-los, à minha esquerda um moto com aquelas caixinhas de pet shop, um cachorro olha pra mim pela grade como quem diz: "você está atrasado, palhaço", do outro lado, duas crianças brincam no fundo do carro enquanto o pai, "acho que é o pai", está ao celular... Ele não se incomoda nenhum pouco com os filhos, o barulho me atrapalharia a falar ao telefone... "ainda bem que não tenho filhos..."

Volto a olhar pra frente, o vermelho do sinal me incomoda ainda mais... as pessoas, como formigas, passam pela faixa... parecia que tinha uns dez minutos que estava parado ali, mas não, agora completava 8 segundos. Todos despreocupados, apresados, correm entre desconhecidos buscando uma saída na multidão que enfrenta aquele caos todos os dias.

O dia só estava começando, as minhas primeiras horas não me agradavam naquela sexta-feira. Enfim "verde", ainda observo algumas pessoas que passam pela calçada... são muitas. Brancos, negros e mestiços se misturam. Executivos, domésticas, garis e mendingos estavam todos na mesma situação, na correria do dia-a-dia, que faz tudo parecer estar muito bem... obrigado. Uma buzina me força a voltar à realidade, deixo o carro morrer... rapidamente, consigo arrancar com ele.

"O que se passa na vida daquelas pessoas?", é o que vem à minha cabeça agora... Todos estamos sempre preocupados em cumprir seus deveres, em chegar ao trabalho, em ir pra casa, em estar no barzinho no fim da tarde com os amigos, mas cada um segue sua vida e tem seus problemas. Consegui estacionar o carro quase cinco minutos depois de ficar esperando uma vaga, o tempo está cada vez mais rápido... "para quem estar atrasado, cinco minutos é muito tempo!".

Passo pelo porteiro que me dá bom dia, não respondo, entro no elevador, aperto o cinco, saio às presas, passo pela secretária e invado a sala de reuniões:
- O senhor pode me demitir em menos de cinco minutos? - vejo a cara de susto do meu chefe - Não? - espero uma resposta, mas ele continua imóvel - Tudo bem, a partir de amnhã não venho mais ao trabalho.

Saio às presas, desço o elevador, passo pelo porteiro, às presas tiro o carro do estacionamento e volto à avenida Paulista. Um sinal me obriga a parar novamente, outras pessoas me chamam a atenção... A faixa de pedestre se tornara uma barreira viva e caótica, aquelas pessoas me fazem lembrar do que fiz na noite passada, "se eu não tivesse matado a minha namorada poderia continuar fazendo de conta que está tudo muito bem, como fazem essas pessoas que trafegam sem querer..." O sinal ainda está vermelho, pego o revólver no porta-luvas e disparo contra minha nuca. Agora sim, acabei de vez com minha vidinha sem graça.

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