7.9.07

Viagem imaginária


Fazia tempo que não dividia a boleia do caminhão em viagem com meu pai. Nem me lembrava a última vez. Resolvi pegar uma carona por uma vontade maior que não poderia suportar. Sempre que minhas vontades de viajar surgem, temo realizar a viagem. Parece aquelas histórias: "era como se dissessem para ele ir..." e acontece algo inesperado, chegando, as vezes ao mais indesejado. O pior é que sempre penso assim... Acho até que já virou paranóia.

Saímos já no fim da tarde em tínhamos a frente mais de 300 km para superar. O motivo da viagem era para levar uma mudança. O dono da mudança ia com a gente também. No caminho para busca-lo, meu pai me revela que ele era um cigano e que só descobriu isso quando já tinha fechado o negócio e estava em frente a casa das mulheres com maquiagem pesada e com longas e rodadas saias.

Os mitos referentes à cultura cigana são, na verdade, preconceitos. Pessoas de má índole, de espertezas e que possuem um código ético próprio, de acordo os seus interesses, pessoas de vida incerta e por essas razões, povos que não se fixam em um único lugar. Asséde Paiva, em seu estudo, aponta que os ciganos são (des)qualificados com palavras injuriosas, na verdade, são preconceitos milenares. E que para a maioria dos não-ciganos, eles são sempre a mesma imagem estériotipada.

Essa minha experiência foi o meu primeiro contato com alguém que era cigano de verdade. Antes daquela noite só leituras e representações na TV ou no cinema. O ineditismo da viagem ia se tornando cada vez mais fascinante. O homem, do qual nem fixei o nome, tinha modos rudes. Pareceu ser uma pessoas de poucos estudos e que também não conhecia muito a região.

Ele fez questão de pagar pelo frete logo na saída da cidade quando paramos para abastecer. Na estrada, suas conversas eram poucas e sua linguagem limitada. Quando estávamos passando por uma serra, as curvas e ladeiras que já eram perigosas por natureza, estavam ainda mais devido à neblina e a serração.

Os faróis do carro só iluminam cerca de 3 metros a frente. Do asfalto parecia brotar a fumaça branca. A paisagem era fascinante (e também inédita para mim), coisas de um sonho psicodélico mesmo. Dava medo, mas não deixava de ser bonito. O frio na barriga me lembrava a mesma sensação que tive antes de encarar a estrada. Tudo era motivo para me lembrar que eu não deveria ter saído de casa.

Passada a serra, já em trechos mais tranquilos, uma parada. Num restaurante desses de beira de estrada tomamos um refrigerante, enquanto o cigano comeu uma porção de farofa com carne do sol. Verificamos as condições da carga. A antena parabolica, que não havia sido desmontada, estava inclinada devido ao vento.

Dali adiante o restante da viagem foi tranquila, minha vontade de chegar logo a tornou mais demorada. Meu companheiro de carona ainda me ofereceu abrigo se não o tivesse quando chegássemos na cidade. "Se quiser ficar embaixo da lona dos cigano..."

Até pensei que fosse lona mesmo. Na verdade ele ficou em uma grande casa, as mulheres já o aguardavam com a mudança. Daí fui realizar minha vontade e, no fim, o medo que me apertava era só impressão mesmo. Terminei a noite bem, com quem queria estar (e que era motivo da minha saída de casa, assim, de uma hora pra outra).

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