2.6.10

Que soem as vuvuzelas no país de Mandela!


A proximidade de uma Copa mexe com as pessoas em qualquer parte do mundo, imagine no país sede. Mas, para a Copa do Mundo de 2010, a animação do povo africano é única. Apesar de apenas seis seleções entre as 32 que integram o torneio serem africanas, esta é a primeira vez a Copa será realizada no continente. A África do Sul receberá uma média de 500 mil turistas durante os 31 dias do mundial.

A organização do país superou as expectativas, pois conseguiu cumprir a grande maioria das exigências da Fifa antes do término dos prazos. Os dez estádios estão prontos e imponentes à espera do público. Estima-se que o custo total da Copa 2010 ficará em torno dos US$ 6 bilhões. Muito para um país onde maior parte da sua população ainda vive sob condições desumanas: a expectativa de vida na África do Sul é de 51 anos; é o país com o maior número de casos de AIDS do mundo; pelo menos 40% da população vive abaixo da linha da pobreza, com menos de dois reais por dia, e um milhão dos seus 49 milhões de habitantes ainda mora em barracos sem água nem eletricidade.

Você talvez se pergunte onde está o motivo para os africanos comemorarem o fato de sediar a Copa. A última vez que um país do chamado terceiro mundo recebeu uma copa foi em 1986, quando a sede foi o México. Agora, é a vez da África do Sul, um país estigmatizado como um território de animais selvagens e de tribos primitivas. Engana-se. A África do Sul é o motor econômico do continente africano, líder nas produções industrial e mineral, gerando uma larga parte da eletricidade da África. Dispõe de recursos naturais abundantes, um sistema legal e financeiro bem estruturado, de comunicações, energia e transportes, tem uma bolsa de valores classificada entre as 20 maiores do mundo e uma estrutura moderna que suporta uma eficiente distribuição de bens e produtos por toda a África Austral.

Para completar, comparado aos demais continentes, a África é o mais apaixonado pelo futebol. Nunca, na história das Copas, uma seleção africana passou das quartas de final, isso é fato. Mas, o futebol chegou por lá antes mesmo de Charles Miller trazer o esporte para o Brasil, em 1894. O primeiro jogo de futebol registrado na África do Sul foi em 1862. Desde então, o esporte se popularizou entre a população. Entre a população negra. Entre as classes mais populares.

O sistema de segregação racial vivido pela África do Sul até 1994 afetou muito mais as relações sociais do que se pode imaginar. O fim da política do apartheid, promovido por Nelson Mandela, não acabou com o racismo e com o preconceito, ainda são perceptíveis as desigualdades sociais entre brancos e negros. É uma marca histórica, estruturada nas bases da formação da atual sociedade sul-africana. Há muito ainda para mudar, e isso leva tempo.

O rúgbi, esporte famoso no país, sempre foi de brancos e ricos. Os pobres ficaram com o futebol. É assim até hoje. As vuvuzelas, por exemplo, não existem nas partidas de rúgbi, enquanto que nas de futebol, elas fazem parte da torcida. A proibição das barulhentas cornetas durante a Copa, cogitada pela Fifa, soou como ofensa à população negra. A Fifa desistiu da proibição e as vuvuzelas poderão soar com liberdade nos estádios da Copa.

O futebol brasileiro sempre foi referência para os sul-africanos, os ídolos daqui são ídolos por lá. O fato de o Brasil sempre colocar em campo um time com negros, brancos e mestiços era um dos motivos que os faziam torcer pela seleção brasileira. Essa mistura de cores e peles irá acontecer durante o mundial desse ano. As arquibancadas reunirão mais que brancos e negros da África do Sul, estarão unidos a uma diversidade de nacionalidades. Que a Copa do Mundo possa cumprir o seu papel unificador. Quem sabe assim o patriotismo não fala mais alto. Que brancos e negros se reconheçam filhos da mesma pátria, ao menos durante esses 31 dias em que o país será o centro do mundo. Se isso acontecer, será cumprida uma das etapas para superar marcas deixadas pelo apartheid.

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