Texto de Lola Aronovich, professora da UFC, publicado em seu blog
QUERIDOS JOVENS,
Não escrevo a todos vocês, apenas aos mais privilegiados. E aos mais conservadores. Bom, vocês sabem quem são: aqueles que, revoltados com o resultado das eleições, falaram todas as besteiras que não podiam falar contra pobres e nordestinos.
O que mais me chocou nos tweets que li de vocês nem foi o ódio contra gente que é tão brasileira quanto vocês, ou a total ignorância que vocês demonstraram em relação ao Nordeste. Porque, sinceramente, tudo isso eu já conhecia. Eu vivi 16 anos em SP, e não se passavam muitos dias sem que eu ouvisse paulistanos da gema bradarem contra os nordestinos – que vocês chamam de baianos – como se eles fossem um mal, e não pessoas que ajudaram a fazer de SP o estado mais rico da federação. Também vivi 15 anos no Sul, entre Joinville e Floripa, e lá confesso que não escutava tanta asneira contra os nordestinos. Claro, havia (há ainda) um movimento detestável chamado “O Sul é o meu país”, mas em Joinville ouvia muito mais insultos contra paranaenses, já que é a cidade do Brasil fora do Paraná com o maior número de paranaenses (eles vão pra SC pra se livrar da miséria, assim como os nordestinos faziam quando iam pra SP). Em Floripa, o preconceito parecia ser maior contra os gaúchos, que compraram (junto com os paulistas) montes de prédios e fizeram dispararar o custo de vida da cidade. De onde eu deduzia que, se o Sul realmente fosse bem sucedido em se separar do resto do Brasil, ele talvez sobrevivesse sem guerra civil interna durante uns cinco minutos. Com tantos xingamentos contra os vizinhos, não sobrava muito tempo pra sulista reclamar do Nordeste. Além do mais, descobri que, pra muito catarinense, qualquer Estado acima do Rio é Nordeste. Quando eu fui falar pro dono de um restaurante que eu estava me mudando pra Fortaleza, ele perguntou se isso era perto de Minas. Mas, dos meus alunos ricos, eu ouvia muito mais preconceito de classe que de região.
Não, o que mais me chocou dos tweets de vocês foi mesmo vocês não desconfiarem que são preconceituosos. Vocês não vêem nada de mais em querer que uma bomba acabe com todos os estados daqui, em dizer que nordestino é tudo vagabundo, em torcer pra que uma enchente, ou uma seca, nos mande pro inferno. Vocês se divertiram à beça culpando os nordestinos por elegerem o PT, um partido que vocês detestam. Mas já ficou provado que Dilma venceria mesmo sem o voto do Nordeste. Além disso, vocês não acham que o Nordeste foi inteligente em votar num governo que, pela primeira vez em sua história, lhe deu condições de abandonar a pobreza? Não foi só por causa do Bolsa Família, embora esse programa, que custa tão pouco aos cofres públicos, faça uma diferença incrível na vida de milhões de brasileiros (é, em SP tem gente que recebe o benefício. Em SC também. O meu vizinho em Joinville, de tataravós catarinenses, recebia). E todo o dinheiro investido volta, porque uma multidão de gente passou a consumir. Isso é bom pra economia – perguntem pros seus pais empresários se eles não fizeram mais dinheiro no governo Lula. Investir no Nordeste transformou a região, que vem crescendo tanto quanto a China (e sei que vocês não gostam da China, mas vocês gostam do crescimento da economia chinesa, não gostam?). Um colega meu, também professor universitário, que fala quatro línguas fluentemente, fez um prognóstico: ele tem certeza de que, daqui a vinte anos, no máximo, o estado que escolhi para morar atualmente, o Ceará, será mais rico que o Rio Grande do Sul. Não é uma competição – a gente não quer que os gaúchos percam dinheiro ou poder. A gente só quer uma fatia disso. Quer provar que gosta de trabalhar. Isso é ruim?
O que me espanta é que vocês ficam chateados quando os americanos perguntam pra vocês se aqui no Brasil tem macaco pulando de galho em galho, ou se os índios não atrapalham o trânsito (de cipós?), mas vocês têm uma imagem do Nordeste muito parecida com a que eles têm do Brasil. Vocês vêem televisão demais e, quando pensam no Nordeste, só pensam na seca. Vocês não sabem que aqui há excelentes universidades e profissionais que não devem nada aos do Sul e Sudeste. E eu sei que vocês adoram os EUA e a Europa, que vivem falando que “país de primeiro mundo é outra coisa”, mas por que vocês insistem em só copiar as coisas ruins deles? Vamos copiar as boas, ué! Um dos motivos que eles são desenvolvidos é que lá a renda não é tão concentrada como aqui. É que lá eles respeitam os direitos humanos! Vocês não achavam mesmo que eles eram desenvolvidos por serem mais clarinhos, mascarem chiclete e terem a Disneylândia, né?
Outra coisa que me espanta é que vocês são tão jovens e tão conservadores ao mesmo tempo! Cadê o idealismo de vocês? É comum o jovem querer lutar por um mundo melhor e mais justo – e um mundo melhor não é um em que os pobres sejam riscados do mapa por uma bomba, mas um em que eles tenham condições de verdade pra deixar de ser pobres. Muita gente jovem lutou e luta por liberdade. A própria Dilma, quando tinha 19 anos, não ficou no seu condomínio fechado digitando “Morte aos nordestinos!”. Não, ela decidiu lutar pra derrubar um governo militar. Eram outros tempos, claro, e eu sugiro que vocês aprendam sobre eles. Contra o quê os jovens de todo o mundo lutavam na década de 60? Por que um dos slogans da época era “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”? Os jovens não estavam muito felizes com o seu mundo, um mundo que herdaram dos pais, e não queriam repetir esses erros. Eles tinham vergonha de ser igual aos pais. Mas vocês não, certo? Vocês têm as mesmas ideias dos seus pais! São essas que vocês vão passar a seus filhos? Cadê a rebeldia? Rebeldia tem que ser mais do que colocar mensagens de ódio na internet e pedir o fim de um governo democraticamente eleito – antes mesmo de tomar posse!
Eu não desejo mal a nenhum de vocês. Não quero que vocês sejam punidos pelo que disseram. E muito menos quero escolher um bode expiatório e criminalizar uma estagiária de Direito, porque o preconceito que comeu solto nesses primeiros dias depois das eleições não foi obra de uma só pessoa. Foi coletivo. Vocês sem dúvida foram influenciados por uma campanha muito virulenta, e por um candidato que semeou o ódio e que nem aceitou sua derrota elegantemente (que é o que se espera num regime democrático). E, antes disso, vocês foram influenciados pelos seus pais, pelos amigos, pelo que lêem de pessoas que pensam igual a vocês. Eu só queria que vocês refletissem sobre o que escreveram. Já seria um passo importante vocês perceberem que sim, são preconceituosos. Perguntem por que se tornaram assim. Nos tweets de vocês, vi muitas mensagens que diziam: “Não é preconceito, é a mais pura verdade!”. Vocês acreditam tanto nessas ideias que nem vêem que são falsas, que são intolerantes, que são burras. Parem pra pensar: o que muda na vida de vocês com a eleição da Dilma? Faria alguma diferença se o Serra tivesse vencido? Pra vocês não. Vocês continuariam muito bem. Então por que tanta raiva? Se é pra ter raiva de alguma coisa, então tenham raiva da miséria, do fato de uns terem tanto e outros terem nada, do sistema que não permite que a situação mude tão rápido como deveria. Ter ódio de pobres e nordestinos não faz com que eles morram fulminados por um raio. Mas, acreditem: são vocês que morrem um pouquinho por dentro. Vocês deixam de sonhar, tornam-se cínicos e amargos. Como os seus pais. Como os políticos em que seus pais votam. Não sejam assim. Ousem. Sejam diferentes.
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