1.9.11

Glauber pós-morte

Entre os Blogs do Além, criados pelo jornalista Vitor Knijnik, está o Blog do Glauber. O cineasta, baiano de Vitória da Conquista, fala sobre a (atual) produção de vídeos virais. Vale a pena conferir!

Glauber Rocha morreu em 22 de agosto de 1981, vítima de septicemia, ou como foi declarado no atestado de óbito, de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia que o atacava há mais de um mês, na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro.

Abaixo, a reprodução do post. Conheça outros Blogs do Além, aqui.

Sou um cara bem família: gosto
dos Stones e torta Marta Rocha.
deus e o diabo na terra do viral.

Nada como o tempo para revisar as nossas teses. O lema do cinema novo “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” em parte chegou ao poder. Para ser mais exato, sua melhor atualização é “uma câmera no bolso e um boné na cabeça”.

Depois que as câmeras foram parar nos celulares, elas não só estão nas mãos de todos, mas também em todos os lugares. Haja gigabyte para tanta criança dançando, tanto cachorro fazendo gracinha, tanta gente fazendo o sinal de positivo no churrasco e tanto pedaço de show captado.

O problema é ainda a busca da ideia na cabeça. A danada é tão difícil de ser encontrada que muitos filmes, quando emplacam, vão logo anunciando a sua continuação. Foi uma pena eu não ter aproveitado essa onda. Nos anos 60, não havia ambiente para, por exemplo, Deus e o Diabo na Terra do Sol 2 – Agora Mesmo É Que Você Não Vai Entender Nada.

Hoje, essa profusão de câmeras não se dedica à criação de uma estética cinematográfica rompedora e nem à divulgação de conceitos politicamente revolucionários. O pessoal quer mesmo é ter a ideia de um bom viral para colocar no YouTube. Viral, você sabe, é aquele vídeo feito com a maior pretensão de parecer despretensioso. Como o próprio nome informa, sua intenção original é que você goste tanto do que viu que transmita para outros, e os outros aos outros, e assim sucessivamente até que se instale a epidemia. A glória desejada pelo viral não é a Palma de Ouro, mas sim os dois milhões de views. Muitos virais são frutos da sorte. Você está na praia e vê uma celebridade em cenas tórridas com namorado – esse é o chamado viral aviário. Tem aqueles em que você flagra um acidente que pode ser um simples tombo de uma criança ou uma colisão de carros – esse é o viral suíno. 

Mas a maioria, que não pode contar com o acaso, segue algumas regras, como gastar uma fortuna na produção para que o vídeo pareça caseiro, quase malfeito. Outro princípio importante é mostrar algo que as pessoas se perguntem se é verdade ou não e, na busca de mais informações, caiam no site de alguma empresa.

Com a quantidade de câmeras na mão que anda por aí, mais a crescente falta de atenção para tudo, os virais vão aumentar. Resta saber se ficaremos mais resistentes ou se os vírus se tornarão mais fortes. Desejo-lhe sorte. Se você espirrar, saúde.

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