5.12.11

Profissão: palhaço

Por Rafael Carvalho* (Publicado em Coisa de Cinema)
O Palhaço está em cartaz no Moviecom Conquista (Shopping Conquista Sul), com sessões às 17:25 e 21: 40.
Um palhaço triste que faz as pessoas rirem, mas não consegue encontrar felicidade consigo mesmo, com seu trabalho e com os rumos de sua vida. Com esse argumento não necessariamente original, Selton Mello constrói uma história sobre a necessidade de afirmação pessoal, mas sem ranço nenhum de lição de moral. Recheia o filme ainda com uma comicidade genuína, porque não é idiota nem apelativa. É um misto de texto inteligente e sagaz, interpretado por ótimos atores e conduzido por um diretor que sabe o que faz. O resultado é um dos melhores filmes do ano.

Enquanto o Circo Esperança viaja pelas cidadezinhas do interior de Minas Gerais levando seu espetáculo artesanal com gosto de tradição circense, vamos conhecendo os estranhos e interessantes artistas que se dedicam ao espetáculo. Em especial, temos Benjamin (Selton Mello) e seu pai Valdemar (Paulo José) como a dupla de palhaços, além de donos e administradores do circo que luta a duras penas para se manter em atividade. Entramos aqui na seara dos artistas mambembes que vivem de sua arte, apesar do pouco apreço que ainda existe para esse tipo de atividade.

As dificuldades em manter o circo vão surgindo ao mesmo tempo em que Benjamin passa a questionar sua própria vocação para aquela vida (e não somente para seu ofício, pois quem se dedica ao circo tem isso como modo de vida; o circo é sua casa, os artistas, sua família). É um personagem literalmente sem identidade (seu único documento pessoal é uma certidão de nascimento já bastante maltratada), condição ideal para representar um personagem incerto quanto a sua condição de vida. Não à toa, o nome de sua persona como palhaço seja Pangaré, enquanto seu pai interpreta o Puro-Sangue.

Fotos: Divulgação
A partir dessa premissa, o filme assume uma estranha mistura de atmosfera melancólica, atravessada pela graça que surge da própria natureza do circo, mas principalmente dos tipos excêntricos que povoam o filme, seja da própria trupe circense (os irmão gêmeos que tingem os cabelos de louros para se dizerem russos, a matrona sem sutiã, o anão mal-encarado), até os tipos que eles encontram pelo caminho (um prefeito bonachão e pai coruja, um delegado oportunista e intimador, o mecânico esquisitão). É essa intersecção que confere leveza ao longa, garantia de produto agridoce dos mais prazerosos.

Bonito ver um roteiro que privilegia uma série de sutilezas espalhadas pela história. Exemplo maior é o do ventilador que surge desde o início como desejo de consumo de Benjamin a partir do pedido da bela dançarina do circo (por quem é apaixonado), passando por outras ressignificações durante a narrativa, algo que só se resolve ao final. É esse tipo de coisa que revela um roteiro redondinho na forma como faz encaixar diversos detalhes até o fim do longa (como a bóia-fria que abre e fecha o filme ou a garotinha que a tudo observa no circo à espera de sua oportunidade).

Mesmo ainda no seu segundo filme como diretor, Selton Mello mostra um talento sólido na forma de conduzir a narrativa. Abusando dos planos estáticos e simétricos na composição dos elementos de cena, o filme lembra muito os trabalhos de Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums, A Vida Marinha com Steve Zissou), inclusive pelo humor que consegue extrair desses momentos, para além do cuidado estético, fazendo de Selton Mello um quase Bill Murray mais novo, muito embora o clima clownesco remeta diretamente a Fellini. Além disso, vale destacar como o diretor se sai bem mesmo num filme bastante diferente em tom da sua estreia na direção com o ótimo e duro Feliz Natal, o que só reforça seu talento.

E o Selton Mello ator também não decepciona ao compor com delicadeza e sem maneirismo Benjamin e seu conflito interior, dono de um personagem ingênuo porque por vezes faz rir sem essa intenção. E há de se destacar as participações afetivas no elenco, como um impagável Moacyr Franco como o chefe de polícia já citado, ou de Ferrugem como o atendente do cartório. Mas é Paulo José quem nos lembra, mais uma vez, que é um dos maiores atores em atividade no Brasil, compondo um palhaço bonachão, mas também um duro pai/patrão.

“Eu faço o povo rir, mas quem é que vai me fazer rir?”, pergunta em determinando momento Benjamin, esse homem que precisará se perder para depois se encontrar. Dito assim, não parece ser muito original, mas O Palhaço dribla os lugares-comuns com um texto afiadíssimo, recheado de singela sutileza, equilibrando drama e comédia, e provando que o espetáculo nunca deve parar porque sempre haverá de chegar os novos.

*Rafael é jornalista, mestrando em Comunicação e Cultura Contemporâneas na UFBA e responsável pelo blog Moviola Digital.


O Palhaço (Idem, Brasil, 2011)
Direção: Selton Mello.
Com Selton Mello, Paulo José, Giselle Motta, Larissa Manoela, Álamo Facó.

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