14.3.12

Jorge Amado sobre Castro Alves e Glauber Rocha


Em entrevista, o escritor fala sobre o poeta e o cineasta, que nasceram em 14 de março.

(...)
Falando da Bahia, acho dois baianos geniais, que foram Castro Alves e Glauber Rocha. Eu faria então duas perguntas. Primeiro, como o sr. se sente sendo conterrâneo de Castro Alves? Segundo, falando de Glauber, que considero o maior cineasta brasileiro, indubitavelmente, como foi sua relação com Glauber, e o sr. gostaria de ter visto um romance seu filmado por Glauber Rocha?
Eu vou te responder primeiro ao que diz respeito a Castro Alves. Castro Alves é para nós todos o exemplo do que deve ser um intelectual, que deve ser um escritor, um poeta por excelência. Ele é nosso grande poeta do amor, não há maior que ele na nossa poesia, e é também o poeta que se bateu por todas as causas nobres do povo brasileiro. A causa da Abolição, a causa da República, a causa da liberdade. 

Atualmente na sua poesia.
Não só na sua poesia como na sua ação de cidadão, fundador de causas abolicionistas, dando fugas a escravos etc... Ele e Luís Gama. Eu creio que o branco e o negro (branco até onde um baiano pode se dizer branco), o branco e o negro que exprimiram a síntese do que é o intelectual brasileiro, na luta contra a escravidão, contra o preconceito racial. Eu estudei, inclusive, no colégio que era na casa onde morreu Castro Alves. Diziam que a alma dele aparecia, às vezes. Eu nunca vi. Mas... Glauber... o que é que posso dizer de Glauber? Glauber foi como um filho meu, foi como o João que está ali (aponta para o filho ali perto), compreende? Quer dizer, conheci Glauber menino, e toda aquela geração, e o acompanhei até o fim, quer dizer, eu... (emocionado) aconteceu-me uma coisa terrível que foi ter assistido a Glauber morrer. 

O sr. acompanhou os últimos dias dele?
Durante mais de um mês em Lisboa, Portugal, desde o momento que Glauber foi internado em Sintra. E depois nós o trouxemos para Lisboa, João Ubaldo e eu, nós eu digo Zélia, minha mulher, João Ubaldo Riberio e eu próprio. Até o momento em que conseguimos embarcar Glauber para o Brasil e infelizmente já sem... eu não creio que tivesse salvação. Ele tinha um câncer de pulmão bem avançado, terrivelmente avançado, acho que sem possibilidades. 

O sr. se identifica com a obra dele?
Quanto à obra obra de Glauber, acompanhei desde os primeiros passos de documentários dele, da Bahia, e a cada filme, e de certa maneira a nossa obra tem uma relação de parentesco. Glauber... nós tínhamos uma relação mais do que fraterna, quase que de pai e filho, quase que paterna e filial... sua morte para mim... levei quase um ano para poder recuperar o equilíbrio emocional depois da morte de Glauber. Você disse que ele é o maior cineasta brasileiro, e digo que não só um grande cineasta como um grande brasileiro, um dos maiores brasileiros do nosso tempo e um dos mais injustiçados. Glauber foi vítima do patrulhamento ideológico mais monstruoso, sujeitos que depois que ele morreu vieram dizer que ele era isto ou aquilo, mas que o patrulharam, que o levaram a querer sair do Brasil, a querer ir embora para não ficar aqui, de tal maneira que ele foi insultado, das coisas mais miseráveis, quando ele era o único que estava vendo claro. O que aconteceu aqui, Glauber viu muito antes. 

Como o sr. situa o trabalho de Glauber como cineasta?
Eu acho que Glauber está entre os vinte maiores cineastas do nosso tempo, um dos vinte maiores cineastas da história do cinema. Se ele tivesse nascido num país capitalista, e não no Terceiro Mundo, e tivesse nascido no Primeiro Mundo, ele era um homem hoje cujo nome estaria ao lado de Orson Welles e gente assim. Então, ele era um homem extraordinário... é uma pena que ele tenha morrido tão jovem, quando ainda... Quanto a livro meu, Glauber pensou em filmar todos os livros meus e não filmou nenhum deles. Para mim... você diz se foi uma decepção? Não digo que seja uma decepção, porque acho que há um parentesco tão grande entre os grandes filmes dele, como o Deus e o Diabo na Terra do Sol, o Terra em Transe e sobretudo aquele O Dragão da Maldade..., em toda a sua temática do cangaço, do sertão, do latifúndio, da luta pela terra, etc... o que está na obra dele está na minha também. 

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